07 maio 2011

José Augusto Mourão
- o poeta litúrgico da “alegria triste”


José Augusto Mourão

Desapareceu da nossa vista corpórea o Frei José Augusto Mourão, mas ficou-nos uma sua outra presença – a que subsiste depois que o corpo se consome.

O “Ouvido do Vento” quer assinalar a sua passagem ao Deus da eternidade e dar testemunho do muito que a sua vida nos deixou.

Continuaremos a ler e a escutar os seus poemas e a entoar o seu canto litúrgico. Prolongaremos a riqueza da sua palavra de fé, partilhando-a com crentes e não crentes, como nos ensinou. Perseveremos na busca teimosa e penosa do Deus (in)visível. Seremos profetas que se alimentam do Vazio Verde. Aguardaremos, na esperança, o Deus absconditus.

A doença prolongada preparou-o para o grande encontro com o Deus da Ressurreição e, sabendo já da certeza da sua morte próxima, escreve a carta que, dirigida a Deus, é legado que, num derradeiro gesto de generosidade, quer oferecer aos seus amigos, a nós que permanecemos no tempo da vigília.

Aqui fica uma passagem desse seu último escrito:

(…)

Escrevo-Te com o punhado de palavras que me habita para dizer o mais além de mim que passa também pela treva luminosa das palavras e pelo fascínio dos nascimentos novos. A palavra é, de raiz, messiânica. Escrevo porque espero O teu advento. Escrevo para celebrar o Teu Nome, ao desabrigo dos nomes. (…) Creio, sim, que o nome que melhor Te convém continua a ser este: Amor. Ou este outro: Misericórdia. Nunca Te vi, Deus abscondítus, apenas Te pressinto no olhar aflito ou alegre dos passantes. Apenas te pressinto na palavra, que é um vivo. Ou na pujança que move o mundo. Sim, o olhar transporta. O sentido é transpositivo. A palavra é legião: sei que não falo no deserto, alucinado e estéril. O magnificat é a forma mais jubilosa de ver o mundo como um milagre, de assistir à primavera, aos nascimentos e até às despedidas. Creio que Tu és o Verbo que se fez carne em Jesus e que habitou entre nós (Jo 1, 14). Porque não sei falar (escrever -Te) só queria mostrar as feridas das palavras varridas pela areia dos dias com que Te escrevo. Espero que, chegando à Páscoa, chegarei à palavra plena. Vou deixar de querer ver -Te: o Teu olhar me basta. Para os amantes, escrever foi sempre dizer: "Vem"! Que outra coisa poderia eu querer, escrevendo -Te?

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