Não será por acaso que os textos evangélicos reservam poucas linhas para os episódios referentes ao túmulo vazio, apesar de eles corporizarem o núcleo mais central da fé cristã. Deste acontecimento crucial para o Cristianismo conhecemos quase nada, mas é essa «ignorância» que revela o dado mais precioso do que se viveu naquela radiosa madrugada. O que as primeiras testemunhas começaram por ver foram peças de tecido e o sepulcro vazio, mas esses sinais de ausência tornaram-se mais eloquentes que mil palavras. O mais decisivo não foi aquilo que os seus olhos depararam, mas a experiência de uma presença que excedia inimaginavelmente tudo o que podiam esperar ou desejar. Foi esse saber interior que proporcionou às mulheres e aos discípulos, testemunhas do sepulcro vazio, a audácia mais intemerata de proclamar que Jesus Cristo estava vivo.
Se aqui se recordam esses dados, é para sublinhar que a Boa Nova celebrada pelos cristãos nesta época pascal radica do pressentimento de uma super-abundância de vida, que a nossa condição terrena não pode conter. A mensagem da Ressurreição é o anúncio alegre de um acontecimento misterioso que dilata a insatisfação humana até um horizonte além do vivido na terra. Isso não significa qualquer cedência ao irracionalismo, mas a abertura a uma luz matinal, apta a dar à existência um sentido que supera a capacidade de apreensão racional, pois, como Adorno nos previne, «uma razão que não se decapita a si mesma, desemboca na transcendência».
A esperança pascal nasce de uma Presença não visível em si mesma mas implicada nos sinais dos tempos, que se vêem. Este olhar novo sobre a História provoca um certo grau de estranheza naqueles que não fazem tal aposta e poderá até parecer delirante para a nossa cultura moderna, como pareceu extravagante a muitos dos que assistiam à explosão de entusiasmo dos apóstolos, no dia de Pentecostes. Mas é este contacto com as raízes mais profundas do real que permite perceber que «a verdade do finito está no infinito», para utilizar palavras de Hegel.
Estes pressupostos da fé são difíceis de aceitar pela mentalidade moderna que, desconfiada de tudo o que extravasa as fronteiras do pragmatismo, concede uma baixa cotação aos bens do Espírito. Isto não deixa de ser estranho, porque, apesar de todos os progressos científicos, o mundo de hoje não sabe mais do que um Séneca ou um Platão sobre a realidade da morte e do Além. Diante dos sobressaltos provocados por esta incerteza, a cultura hodierna cultiva uma subliminar indiferença relativamente àqueles que, no meio de uma obscuridade insuperável, professam que este mundo não é tudo.
É possível que os frutos da celebração pascal, designadamente das formas populares do anúncio do Ressuscitado, como o compasso, sejam demasiadamente modestos para tocar a indiferença da nossa época niilista. Mas é também ao nosso mundo fechado numa secularização radical que a Igreja deve testemunhar que só se chega à plenitude, quando se chega à fecundidade de um Amor capaz de germinar vida nova em abundância. Para aqueles que apenas sabem proclamar o miserável credo do progresso, ou que se contentam em definir para a vida objectivos utilitaristas a curto prazo, a alegria pascal anunciada pelos cristãos poderá parecer delirante. Mas é o sobressalto profético contido nesta manifestação pública da fé que poderá irradiar centelhas de luz, num mundo a que o materialismo está a roubar a alma. Se ousamos acreditar que o fim da nossa vida não coincide com o dia da nossa morte, é porque em nós bruxuleia um conhecimento interior que faz ver tudo de uma maneira nova. É uma certeza que os cristãos não podem guardar só para si, porque o mundo tem o direito de saber que a morte, que é do tempo, não pode atingir uma vida que não pertence ao tempo.
Essa convicção geradora de uma alegria irreprimível é o que testemunha a Igreja, em consonância com a quadra primaveril, quando a natureza desabrocha febrilmente por todos os recantos, depois do repouso vegetativo do Inverno. Louvável tentativa de anunciar a ternura de Deus, origem de uma felicidade que se expande em alegria eterna. A vivência desta verdade só está ao alcance daqueles que se deixam conduzir pela sabedoria do coração, assim descobrindo que o essencial está para lá daquilo que vemos. O verdadeiro saber é aquele que nos ajuda a encontrar o sabor da vida, levando-nos a apreciá-la com um coração apaixonado. Seguramente que o grande Albert Einstein experimentou esta vibração interior, quando escreveu: «O mais belo sentimento que podemos experimentar é o sentido do mistério.
Manuel António Ribeiro – Páscoa 2011
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