Foi tema da conferência de José Tolentino Mendonça nos Encontros do Lumiar do passado dia 10 e está agora publicada em Caderno editado pelas Monjas Dominicanas.
“Porque é o inútil tão importante? Porque o inútil é o subtrair-se à ditadura das finalidades que acabam por nos desviar de um viver autêntico. E a inutilidade é um viver perto do ser. Ela dá-nos acesso à polifonia da vida, na sua variedade, nos seus contrastes, na sua realidade densa. A polifonia da vida é a sua inteireza, a sua globalidade. A renúncia à exclusividade do útil para abraçar o inútil abre-nos a ela.”
Deliciei-me com o texto e deixei-me interpelar por ele.
Afinal onde colocar a fronteira entre o útil e o inútil? É que há utilidades que são realmente inúteis e são muitíssimo úteis algumas inutilidades.
Aqui fica o desafio para um exercício de discernimento pessoal e de confronto com a cultura utilitarista dominante.
A este propósito, deixo-lhe aqui um texto de que gostei muito da "sua" (e agora também "minha") Christiane Singer:
ResponderEliminarSaibamos tirar proveito das crises. (…)
Ao logo da minha vida, cheguei à conclusão de que as catástrofes existem para nos evitar o pior. E o pior (…) é ter tido a infelicidade de ter atravessado a vida sem naufrágios, é ter ficado à superfície das coisas, ter patinado no pântano do diz que diz, das aparências, e nunca ter sido precipitado numa outra dimensão. As crises, na sociedade em que vivemos, são realmente o que ela tem de melhor – mesmo correndo o risco de nos projectarem, sem estarmos preparados para isso – para entrarmos na outra dimensão. Na nossa sociedade, toda a ambição, toda a concentração está em desviar a nossa atenção de tudo aquilo que é importante, criando-se um sistema de arame farpado, de proibições para não podermos ter acesso à nossa profundidade.
Trata-se de uma imensa conspiração, da mais gigantesca conspiração de uma civilização contra a alma, contra o espírito. Numa sociedade onde tudo está fechado, onde os caminhos para entrar na profundidade não são indicados, existe apenas a crise para podermos quebrar os muros à nossa volta. A crise serve de certo modo como arma para arrombar as portas dessas fortalezas onde nos mantemos encarcerados, com todo o arsenal da nossa personalidade, tudo aquilo que pensamos ser.
Recentemente numa auto-estrada periférica de Berlim onde existem sempre engarrafamentos terrível um Tager genial inscreveu numa ponte a seguinte fórmula (neste momento há jovens extraordinários na Terra e crianças que trazem verdadeiramente algo de novo): “desengana-te, não estás num engarrafamento, o engarrafamento és tu!”
(…) Como funciona a crise? Poderíamos utilizar a palavra retorno, mudança. O que é que se passa na crise? Passa-se mais ou menos isto, uma voz dirige-se a si e diz-lhe: “ Construíste uma vida, sim, muito bem, então, agora, destrói-a; construíste uma personalidade, fantástico, muito bem, destrói-a; lutaste muito, foste corajoso, de uma coragem extraordinária, mas a hora da rendição chegou, ajoelha-te!”
Faço muito eco a este comentário!
ResponderEliminarA crise abala-nos, interrogamo-nos sobre o que ficou de pé nesta vida tão carregada de utilidades inúteis, um sentimento diz-nos"chegou a hora da rendição, ajoelha-te"
Luisa