O episódio constante destes versículos interrompe o relato do encontro de Jacob com Esaú. Antes de continuar, o autor quer, de facto, ajudar o leitor a enquadrar o conjunto das histórias de Jacob e apresentar a autêntica figura do patriarca. Vai-se dando conta que o texto bíblico, como o temos agora, mostra um longo processo formal em que o material foi sendo sobreposto no decorrer da história hebraica. É por isso que as várias componentes não estão bem ligadas entre si e não constituem um todo orgânico.
Para o autor, a luta nocturna de Jacob é o sinal de uma prova misteriosa que o patriarca supera (Sb 10,12). Na base desta vitória ele é constituído como chefe de todo o Israel. No relato não está excluído o elemento nacionalista da exaltação da força do herói epónimo.
v. 23-24 Durante aquela noite… tomou as duas mulheres, as duas escravas, e os seus onze filhos e atravessou o vau do Jaboc… fê-los atravessar assim como os seus haveres. Não é uma noite qualquer, é “aquela noite”, uma noite em que acontece algo de misterioso. A acção de Jacob parece estranha, visto que não é de noite que se faz passar pessoas e animais por um rio. Colocando o episódio no contexto de uma noite, o autor procurou que ultrapassássemos o carácter concreto do acontecimento e, por um momento, simbolicamente, assinala um momento de obscuridade e de mistério impregnado de violência (veja-se Jo 13,30).
(...)
De cada vez que experimentava a ‘obscuridade nela estava Deus’ (Ex 20,21).
O Deus salvador, que não interveio para salvar o seu povo, mostrava o seu rosto obscuro e misterioso. Veja-se também Dt 5,22; Sl 97/96,2; Jo 12,27; Mc 15,34.
De cada uma das vezes que Israel voltava a passar por estas experiências negativas, experimentava um renascer da mesma fé, que se tornou mais madura, porque liberta das imagens inadequadas de Deus. Uma “parte” do povo, resistindo à tentação de se afastar definitivamente do próprio Deus, vencia porque aceitava o mistério do seu Deus (Is 55,9).
Exemplo sempre típico desta luta com Deus é a experiência de Job, que ousa confrontar-se com ele, com tal arrogância que obriga os autores a descrevê-lo como pagão, da terra de Uce.
Será também a luta que viverá Jeremias a propósito da sua vocação (Jr 20,7-12; 15, 15-18). Será também a luta que viverá Jesus no Getsémani, a sua ‘agonia’ que em grego significa ‘luta’ (Mc 14, 34-39; Mt 26, 38-42; Heb 5,7).
- Nicoletta Crosti,
Jacob Recebe uma Nova Identidade
Génesis 32, 23 - 33
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