08 março 2014

Sem separar a linha da terra e do céu

No escrito de Março deixava um convite para esta quaresma 2014 – Redescobrir a fonte donde emana o nosso ser e agir. Neste pequeno texto, José Augusto Mourão aponta-nos um caminho.
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8. Este é o tempo da grande iluminação: Ver é estar de vigia ao que deve surgir do fundo sem nome, do silêncio, sem separarmos a linha da terra do céu. Ver é existir a partir do nosso futuro. O diabo é exactamente aquele que separa o céu e a terra, o regente do reino-de-baixo, recusando a referência celeste. Não é possível desertar para ganhar um qualquer “deserto” – o deserto é a atracção do horizonte negativo. O desejo de um corpo de velocidade absoluta é uma tentação do diabo a que pertence o culto da superfície-mãe: Lilith.

9. Ver não é rever nem adivinhar contornos, formas de habitar. É preciso manter atenção ao tempo, não quebrar a linha inseparável entre o céu e aterra. O confronto adaptativo não salva porque não arrisca nada. Não era apenas no tempo de Granada que havia homens “dormidos e desalmados” a precisar daquele que baixou do céu á terra vestido da carne humana. Peçamos aquilo que Romano Melódio pediu: Vós que tendes sede vinde a mim e bebei. Orvalhe este coração humilhado/ que o caminho errante dividiu/ e consumiu de fome e sede/fome não de alimento, e sede/ não de bebida/ mas de escutar a palavra do Espírito/ assim ele geme baixinho esperando/ que o julgues/ tu que apareceste e tudo iluminaste.

(José Augusto Mourão: O rosto e a sua sombra, in Quem vigia o vento não semeia, p. 354-355)

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