Plantemos flores à beira do abismo Há-de haver no deserto um lugar de água. José Augusto Mourão, Salmo, in O Nome e a Forma
A recomendação expressa no título tem mais de dois mil anos e vem de Paulo de Tarso. Foi dirigida à igreja de Colossos, uma cidade da Ásia Menor, por volta do ano 60, certamente repetida em muitas outras ocasiões e junto de diferentes públicos através dos séculos.
Reconheço neste convite uma mensagem particularmente oportuna para os tempos em que estamos a viver. Tempos de grande rudeza para muitos e de incerteza para todos quanto à configuração do futuro. Por isso mesmo, são tempos em que se impõe redobrada vigilância pessoal e colectiva face às escolhas múltiplas que, sempre, se nos apresentam, mesmo quando, por vezes, passamos ao seu lado, subestimando-as; ou quando nos resignamos diante de um falso pretexto de impotência para as alterar.
Foggy Sun Rays - © Hollingshead.2007
No actual contexto de desorientação e ausência de referências seguras, importa que redobremos a atenção e o discernimento e que não nos deixemos dominar por forças subtis, mas tão poderosas, que, embora nos sendo exteriores, condicionam o nosso modo de viver quotidiano (o marketing e a moda; a ganância e a tirania do dinheiro, a importância do ter e do parecer, os preconceitos do sucesso e da competitividade, o convite permanente ao prazer imediato e ao facilitismo irresponsável, a pressão dos media, etc). Analogamente, há que saber identificar e ter presentes os poderosos condicionalismos que, insidiosamente, nos roubam oportunidades de viver uma “vida boa” (obstáculos no acesso à profissão; imposição de normas e condições de trabalho desumanizantes; burocratização excessiva e sufocante; enquadramentos financeiros hostis; consumismo compulsivo, etc).
Qualquer cedência no campo da busca de lucidez na compreensão do que está em causa e na ponderação das respectivas consequências ou transigência na resignação preguiçosa diante dos factos consumados e dos espartilhos pseudo reguladores de um sistema em efectiva decomposição, só poderão aprofundar as múltiplas expressões da crise que conhecemos, abrir caminho a possíveis implosões sociais ou, mesmo, conduzir a uma nova barbárie. No entretanto, estaremos perante forças predadoras de bens preciosos e irrecuperáveis de satisfação pessoal a nível do ser, da relação com os outros, do conhecimento e da convivialidade.
(...)[ texto integral ]
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